quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Oráculos Sentimentais - parte I

Alberto Caeiro dizia que ver o mundo é senti-lo , tocá-lo, poder vivenciá-lo com cada parte do nosso corpo. No caso da religião popular pós-moderna , esse fenômeno parece denotar uma realidade mais profunda e absurda.
A necessidade patológica dos religiosos , especialmente cristãos, pelo sentimento de Deus é injustificável e infantil. Talvez se tornar parte do inexplicável aumente uma auto-estima machucada pela realidade da vida, talvez desponte uma diferenciação hierarquico-social, ou talvez seja apenas mais uma grande bobagem. Fala-se muito em "conhecer", "ouvir", "sentir" e "falar" com Deus. Fala-se muito em "amigos" de Deus. Ora, parece-me incoerente que Deus seja um sentimento. Sente-se fome, sede, saudade, frio, alegria, tristeza, raiva, inveja. Não se pode "sentir" alguém , mas algo. É igualmente incoerente o fato de se ouvir e falar com Deus. O diálogo (como sua raiz etmológica propõe) consta de dois momentos : o de proferir e o de ouvir o discurso. Ausentes uma dessas situações, não há diálogo. Da mesma forma, não se mantém um diálogo com utilizações distintas dos códigos comunicativos pelas partes envolvidas. Com códigos iguais há uma otimização na relação comunicativa, e o diálogo acontece.
Então, é incoerente que se "fale" com palavras e pensamentos e que a "resposta" venha em forma de "certeza no coração". Ora, ponha-se um sujeito qualquer a pensar sobre um assunto que lhe preocupe, e o faça por vários minutos, que uma solução surgirá, embora nem sempre a correta. Dar a esse fenômeno de auto conhecimento e meditação interior o nome "diálogo com Deus" é , no mínimo, incoerente. Da mesma maneira, o "conhecimento" de Deus não pode se configurar como passível de acontecer. Não se conhece o que não se deixa conhecer. Não se conhece alguém por intermédio e relato de outrém! José não pode conhecer João através dos relatos de Joaquim. Conhecimento implica em presença física no mesmo lugar e no mesmo espaço de tempo , somado à disposição de estabelecer uma relação comunicativa valendo-se de uma linguagem qualquer.
Se me fosse dado o direito de eleger uma virtude como a maior, essa seria o Equilíbrio. A falta dele, por consequência, seria o maior pecado. Desequilibrio emocional sempre resulta em carência afetiva. Num mundo de informaçoes rápidas, transações complexas e reduçao da particularidade individual a dados numéricos, é exponencial o aumento dos surtos de carência afetiva. E, como sempre na História humana, uma grande mudança social requer uma prática que a justifique. Neste caso , o Neopentecostalismo veio como "presente dos céus". A culpa das infelicidades da vida não é mais do indivíduo : sempre há alguem que "fez um trabalho" ou que "acendeu uma vela" a alguma entidade imaginária. E é necessário entender a complexidade desta situação! Ao acreditar nas "forças do mal" agindo contra o "povo escolhido" , o indivíduo se exime da culpa e da responsabilidade por seus atos. Ao se eximir das culpas e particularizar cada palavra de prosperidade proferida, o indivíduo é cativado pela crença e pela ritualística a ele apresentada.
A necessidade patológica de participar do Sagrado vista hoje nos meios ditos Carismáticos é sintoma da carência do povo. É necessário encontrar uma brilhante e refinada justificativa para a morte de inocentes , para a perda de entes queridos e para cada passo errado que se dá na vida, quase sempre como sendo tudo aquilo parte de um plano maior qualquer. Mas é maior, é mais complexo e , por isso, não nos é dado o direito de conhecê-lo. As linhas são tortas,mas a escrita é correta e perfeita. É curioso como só se podem ver as linhas tortas...

2 comentários:

  1. Bem argumentado, mas deixaria como conselho, se é que é valido aconselhar, seja mais poético.

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