domingo, 25 de outubro de 2009

Oráculos Sentimentais , parte II

A já brevemente discutida necessidade doentia por atenção e valorização individual parece gerar uma hierarquia entre os semelhantes e "frutificar" (será?) na forma de "dons". Estes "dons" se definem como aptidões espirituais concedidas a alguém : clarividência, clariaudiência, profecia, etc. O que é mais curioso é o fato do completo e total desconhecimento desses "abençoados" de mecanismos sociais básicos e simples , como a linguagem falada e escrita para transmitir suas visões e vislumbres, a produção intelectual e interpretação da mesma por parte da hierarquia intelectual da sua Igreja ( me refiro explicitamente à RCC aqui) e a capacidade de articular e absorver disso alguma informação útil ou prática. É mais importante a eles cultivar uma cultura de 'dons' imaginários e inúteis , que criam indivíduos arrogantes e prepotentes capazes de pregar assiduamente as "verdades" de sua religião, mas incapazes de minimamente vivê-las. Em momentos de "oração" (trataremos disso melhor mais tarde) alegam ver, ouvir e sentir o que Deus quer , e então põe em prática, doa a quem doer , afinal ,é Deus quem mandou.O que parece contraditório com pitadas de absurdo é o fato desses mesmos carismáticos pertencerem a uma religião chamada Católica Apostólica Romana e se esforçarem por considerar a si mesmos mais "ungidos" que seu próprio prelado! Exemplo prático : a Igreja Católica , em seu Catecismo, não reconhece o amontoado de palavras sem nexo proferidas sem motivo como "oração na língua dos anjos". Considerando a existência real de anjos, seu método comunicativo não seria mais complexo que o de um cão com sarna : são gemidos , gritos histéricos e um tal de "xandarecandarelalalá" que não quer dizer absolutamente nada ,exceto que aquele que fala sofre de graves distúrbios mentais. Face a esta proibição e aconselhamento da Igreja, os carismáticos alegam que Joseph Ratzinger , isto é, imaginando que se dão ao trabalho de pesquisar o nome do atual Papa e o Cardeal responsável ,à época, pela revisão do Catecismo em questão,não é "ungido por Deus"! Ora, agindo assim estão claramente negando o credo que professam! E esta pequena manifestação herética recorrente no meio é completamente justificável : "Deus colocou isso no meu coração, então é verdade!"
Quanto à produção intelectual ocorrem dois casos : ou a desconhecem profundamente, ou não são capazes de processá-la com o aparato crítico conveniente. No primeiro caso, passam a pensar que produção intelectual é livróide de auto ajuda. Aquelas baboseiras do tipo "Seja uma benção" ou então "Jovens restaurados", que nada mais fazem do que alimentar o ego já doentio e as falhas de caráter dessa categoria.
No segundo caso, conhecem algumas publicações de cunho filosófico e teológico mas não tem a visão crítica necessária para ler uma obra desse tipo. Tomemos como exemplo a Encíclica Fides et Ratio de João Paulo II. Em seu prefácio, o autor fornece um breve diagnóstico da filosofia moderna e contemporânea : a seu ver esta se desvirtuou, perdeu o foco, está ensimesmada e não é mais capaz de 'olhar para o alto'. Desse modo, o autor revela que à Igreja Católica cabe a Diaconia da Verdade, e que é responsabilidade sua produzir e pregar esta mesma verdade. Ora, a todo aquele que lê estas palavras não deve inundar um sentimento de orgulho ou arrogância. O que deve ser feito é entender as palavras do autor e procurar justificá-las. Caso contrário , criam-se inúmeros papagaios defeituosos, que saem pelo mundo espalhando que a Filosofia contemporânea é desvirtuada e inverossímel sem conhecer um único autor contemporâneo criticado por João Paulo II , muito menos uma linha sequer de sua obra. A Fé e a Razão andam juntas, alega o falecido Papa, mas se a sua Fé e a sua Razão apontam para direções distintas, digo eu, siga a Razão : é ela que define o Homem , é dela o mérito de todas as boas realizações em nossa História.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Oráculos Sentimentais - parte I

Alberto Caeiro dizia que ver o mundo é senti-lo , tocá-lo, poder vivenciá-lo com cada parte do nosso corpo. No caso da religião popular pós-moderna , esse fenômeno parece denotar uma realidade mais profunda e absurda.
A necessidade patológica dos religiosos , especialmente cristãos, pelo sentimento de Deus é injustificável e infantil. Talvez se tornar parte do inexplicável aumente uma auto-estima machucada pela realidade da vida, talvez desponte uma diferenciação hierarquico-social, ou talvez seja apenas mais uma grande bobagem. Fala-se muito em "conhecer", "ouvir", "sentir" e "falar" com Deus. Fala-se muito em "amigos" de Deus. Ora, parece-me incoerente que Deus seja um sentimento. Sente-se fome, sede, saudade, frio, alegria, tristeza, raiva, inveja. Não se pode "sentir" alguém , mas algo. É igualmente incoerente o fato de se ouvir e falar com Deus. O diálogo (como sua raiz etmológica propõe) consta de dois momentos : o de proferir e o de ouvir o discurso. Ausentes uma dessas situações, não há diálogo. Da mesma forma, não se mantém um diálogo com utilizações distintas dos códigos comunicativos pelas partes envolvidas. Com códigos iguais há uma otimização na relação comunicativa, e o diálogo acontece.
Então, é incoerente que se "fale" com palavras e pensamentos e que a "resposta" venha em forma de "certeza no coração". Ora, ponha-se um sujeito qualquer a pensar sobre um assunto que lhe preocupe, e o faça por vários minutos, que uma solução surgirá, embora nem sempre a correta. Dar a esse fenômeno de auto conhecimento e meditação interior o nome "diálogo com Deus" é , no mínimo, incoerente. Da mesma maneira, o "conhecimento" de Deus não pode se configurar como passível de acontecer. Não se conhece o que não se deixa conhecer. Não se conhece alguém por intermédio e relato de outrém! José não pode conhecer João através dos relatos de Joaquim. Conhecimento implica em presença física no mesmo lugar e no mesmo espaço de tempo , somado à disposição de estabelecer uma relação comunicativa valendo-se de uma linguagem qualquer.
Se me fosse dado o direito de eleger uma virtude como a maior, essa seria o Equilíbrio. A falta dele, por consequência, seria o maior pecado. Desequilibrio emocional sempre resulta em carência afetiva. Num mundo de informaçoes rápidas, transações complexas e reduçao da particularidade individual a dados numéricos, é exponencial o aumento dos surtos de carência afetiva. E, como sempre na História humana, uma grande mudança social requer uma prática que a justifique. Neste caso , o Neopentecostalismo veio como "presente dos céus". A culpa das infelicidades da vida não é mais do indivíduo : sempre há alguem que "fez um trabalho" ou que "acendeu uma vela" a alguma entidade imaginária. E é necessário entender a complexidade desta situação! Ao acreditar nas "forças do mal" agindo contra o "povo escolhido" , o indivíduo se exime da culpa e da responsabilidade por seus atos. Ao se eximir das culpas e particularizar cada palavra de prosperidade proferida, o indivíduo é cativado pela crença e pela ritualística a ele apresentada.
A necessidade patológica de participar do Sagrado vista hoje nos meios ditos Carismáticos é sintoma da carência do povo. É necessário encontrar uma brilhante e refinada justificativa para a morte de inocentes , para a perda de entes queridos e para cada passo errado que se dá na vida, quase sempre como sendo tudo aquilo parte de um plano maior qualquer. Mas é maior, é mais complexo e , por isso, não nos é dado o direito de conhecê-lo. As linhas são tortas,mas a escrita é correta e perfeita. É curioso como só se podem ver as linhas tortas...